Jornada

Elas por elas

Diário Popular conta a história de mulheres que ocupam espaços significativos no mercado de trabalho

Em 1950, a participação das mulheres brasileiras no mercado de trabalho era menor que 14%, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Hoje, o número é superior a 40%. A cientista social e professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Simone Gomes, explica: “A relação da mulher com a casa retardou a entrada das mulheres no mercado de trabalho formal. A independência financeira ainda é um sonho muito distante”. Em comparação aos homens, as mulheres passam diariamente pela jornada dupla de trabalho, como explica a pesquisadora. Além do serviço, cuidam dos afazeres domésticos, da alimentação, da educação e dos cuidados com os filhos e dão apoio afetivo e psicológico.

Entre elas, as diferenças também são grandes: enquanto mulheres brancas têm um rendimento mensal de R$ 2,1 mil, as negras recebem R$ 1,8 mil em média ao mês. “As mulheres negras estão no mais baixo patamar da escala de valorização simbólica da nossa sociedade. É um retrato de uma sociedade com feridas muito evidentes de um racismo que perdura em nossas práticas e contratações”, diz. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado no último ano, estima que em 11 anos mais de 64% das mulheres em idade ativa (entre 17 e 70 anos) estarão trabalhando ou buscando emprego. O dado, no entanto, não é algo a se comemorar. “Isso não significa uma equidade de salários e posições em relação aos homens”, afirmou Simone.

O Dia Internacional da Mulher é, ainda, um dia de luta feminina. Para a data, comemorada neste domingo, o Diário Popular conta a trajetória, os desafios e as barreiras superadas por mulheres à frente de cargos de direção e, muitas vezes, as únicas em seus locais de trabalho.

O desafio de ser mulher na ciência

Aos 44 anos de história, a Universidade Federal do Rio Grande (Furg) teve a primeira mulher a se tornar reitora. Cleuza Maria Dias tomou posse em 2013 e, neste ano, segue para o último do segundo mandato, quando a Furg completa 51 anos. No gabinete, a chefia também é feminina. Bem como em duas das sete Pró-reitorias da instituição. “Ser mulher, na nossa sociedade, e estar em um cargo de relevância, é um grande desafio”, admite. Na Universidade, os cargos de direção ocupados por mulheres estão em crescimento. Nas últimas gestões, o aumento foi significativo, afirma.

Pedagoga, a reitora sente-se como uma representação tanto das mulheres da comunidade como das colegas da área. A formação específica em educação, traçada da graduação até o doutorado, a ajudou com as partes burocráticas da gestão e o planejamento das políticas públicas oferecidas pela Furg. “Ser mulher é ter que sempre se reafirmar perante a sociedade”, ressalta. Quanto a críticas, ela nota as diferenças entre as dirigidas aos gestores e às gestoras. Comentários maldosos em relação aos homens, por exemplo, citam a competência e a inteligência, enquanto às mulheres as críticas são relacionadas a aparência, vestimenta e modos de agir.

Racismo como barreira

Em uma década, a participação feminina na área da docência aumentou apenas 1%, de acordo com pesquisa realizada pela Universidade de Campinas (Unicamp). Entre 2006 e 2016, o índice de mulheres à frente das salas de aula subiu de 44,5% para 45,5%. Por mais que as mulheres sejam maioria na Educação Infantil - cerca de 80% são do sexo feminino, conforme o Censo Escolar 2018 -, no Ensino Superior o cenário é bem diferente. Quanto às mulheres negras, a presença é ainda mais baixa. No curso de Psicologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Miriam Alves é a única mulher negra a compor o quadro de professores da graduação.

Ela entrou no mercado de trabalho aos 15 anos e, desde então, passou a pensar qual carreira gostaria de seguir. A graduação foi em Educação Física, área em que começou a se interessar pela saúde mental coletiva e a saúde pública num todo através de projetos de iniciação científica. “A psicologia tinha algumas respostas para as questões que eu pesquisava”, lembra. Ao longo da caminhada acadêmica, a participação das colegas mulheres, aos poucos, foi diminuindo. Em mesas de conversas de eventos universitários, por exemplo, ela conta que os grandes nomes que discutem os temas são, em maioria, homens, apesar da existência das colegas de área que também possuem competência para os debates.

O racismo é outra barreira difícil de ser ultrapassada. “Se hoje sou professora da UFPel é por causa das políticas de cotas raciais. Não é por falta de capacidade que mais pessoas como eu não estão aqui, é por conta de um sistema que diz que não temos um perfil para isso”, analisa. As experiências passadas por conta da cor da pele e a militância em prol da população negra também marcam presença nos estudos dela. “Toda a pesquisa que faço coloco isso, foi o que me fez chegar até aqui”, completa.

Elas à frente

De 14 Parques Tecnológicos em todo o Rio Grande do Sul, apenas três são geridos por mulheres. Há dois anos, Rosâni Ribeiro faz parte da parcela de 22% de gestoras, como diretora-executiva do Pelotas Parque Tecnológico. Por lá, são mais de 60 empresas e startups, além de 23 instituições parceiras. “É uma característica minha a de unir as partes e buscar parceiros”, conta. A carreira na área de Gestão de Pessoas começou há muito, na Associação Comercial de Pelotas. Depois passou por outras empresas, como a Faculdade Senac e o Sebrae.

Uma direção feminina tem um toque especial, ela acredita. A atenção aos detalhes é uma dessas características. Com os anos de trabalho centrado na relação entre as pessoas e as instituições, a gestora nota as diferenças entre homens e mulheres, inclusive na hora da tomada de decisões. As mulheres, para ela, envolvem sempre mais pessoas e se preocupam com os detalhes e com a participação de todos. “Seja qual for o futuro da nossa sociedade, precisamos nos relacionar uns com os outros, não podemos pensar que vamos nos relacionar só com máquinas. Procuro sempre um toque mais humano e aconchegante, mesmo na área da tecnologia, entre as máquinas, robótica e tudo”, finaliza.

Instituto de Menores

O toque feminino também entra no cuidado ao próximo. No último ano, quando Patrícia Frank chegou à direção do Instituto de Menores Dom Antônio Zattera, eram 43 crianças entre quatro e 17 anos atendidas pelo serviço assistencial; hoje são 230 e uma fila de espera de mais de 70. “Eu tenho eles todos como se fossem um pouco meus”, relata. O serviço de fortalecimento de vínculos conta com oficinas, apoio escolar e refeições para os frequentadores, tudo no contraturno das aulas. Entre uma atividade e outra, Patrícia cuida de aconselhar cada um quanto às decisões e à importância da preocupação com o futuro.

No Instituto, a maior parte das crianças é de lares em situação de vulnerabilidade, além de outras que estão no Abrigo Municipal. “A maioria não tem uma perspectiva de futuro”, explica a diretora. Para impulsionar a criação de renda e a independência financeira de cada mulher, Patrícia e a equipe iniciaram o Clube de Mães, com uma série de cursos para a reinserção no mercado, como de panificação e confeitaria. O cuidado vai além do assistencial à criança e chega às casas de cada uma das famílias. “A mãe sempre é mais vulnerável. Uma mulher em situação de vulnerabilidade não tem uma roupa adequada para uma entrevista de emprego, não tem uma boa dicção. Isso é uma coisa que nós queremos mudar”, frisa.

Com toda a ajuda, crianças que frequentam o espaço atualmente ascenderam socialmente. “Conheço crianças que passaram por aqui e hoje são advogados, dentistas e por aí vai”, lembra. O Instituto de Menores é mantido pela Mitra Arquidiocesana de Pelotas e, apesar das dificuldades financeiras, oferece oficinas como taekwondo, música, balé, inglês e reforço escolar. Além de conversas e conselhos, voltados à educação sexual e à ideia de direitos iguais. “Sempre tento mostrar que nós, mulheres, podemos tanto quanto os homens. E tudo sempre pode melhorar”, acredita.

Justiça

Um exemplo de que a educação muda vidas é a juíza da 4ª Vara de Justiça do Trabalho de Pelotas, Ana Ilca Saalfeld. Natural de Coquinhos, no interior de São Lourenço do Sul, ela começou com a carreira de juíza aos 27 anos, pouco tempo de vida para o cargo. A idade era inversamente proporcional ao desejo de fazer a diferença, e o fato de ser uma mulher também não a assustou. “Eu nunca me senti acuada”, afirma. Em junho, ela completa 26 anos de atuação na advocacia. Como juíza, já passou por outras cidades da região, como Bagé e Rio Grande. 

Entre as irmãs, aprendeu desde cedo a buscar o próprio espaço. Ela é uma das cinco filhas mulheres da família. “Desde pequena eu tive que me impor. Sou a quarta de cinco mulheres, depois que vieram outros dois filhos. Nós não éramos os filhos homens que meu pai queria, mas nós podíamos ser tão boas quanto um”, argumenta. Hoje, enquanto juíza, ela frisa a necessidade de as mulheres buscarem os próprios espaços e reconhecimento. “No momento em que tu te empoderares, tu consegues o mundo”, completa.

Nos bastidores

Com 17 anos, Luciana Markus entrou para o mercado de trabalho. “Desde cedo sempre quis trabalhar, sempre quis ter o meu próprio dinheiro.” O pai sempre alertou: primeiro os estudos, depois o trabalho. Assim que entrou para a faculdade de Administração, buscou um emprego. Começou pela empresa da família e logo iniciou na rádio Pelotense, a primeira emissora de rádio da cidade. Neste ano, a Rádio Pelotense completa 95 anos e Luciana fecha 24 anos na casa, hoje como diretora-administrativa. “O rádio é um mundo fantástico. Não existe uma rotina, é sempre algo diferente.” Enquanto mulher, acredita no poder feminino dentro do mercado. “Somos mães, donas do lar e ainda cuidamos da vida profissional. Nós temos um papel fundamental”, frisa.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Programa de ensino para 1,3 mil alunos Anterior

Programa de ensino para 1,3 mil alunos

Tráfego é modificado em cruzamento da BR116 Próximo

Tráfego é modificado em cruzamento da BR116

Deixe seu comentário